Zéro de conduite, Resenha do filme de Jean Vigo
Zéro de conduite (Zero de Conduta, 1933, França, p&b, comédia e drama.)
Direção: Jean Vigo, com Jean Dasté e Robert le Flon.
Em Zero de Conduta, Jean Vigo introduz a visão do espectador a uma atmosfera escura (através de tomadas de câmera muito bem dirigidas), regada a autoritarismo e bom humor. O filme é obviamente uma obra repleta de itens biográficos, e pode ser vista como a concepção e ótica do conceito de revolução e liberdade que o cineasta francês possuía, sendo esse filho de um rebelde anarquista morto na prisão. O longa começa no trem que leva os alunos ao internato depois das breves férias. No vagão em que o filme inicia-se, vê-se um garoto inquieto, ansioso e bem desconfortável, que olha para todos os lados, procurando algo a fazer, o que já indica ao público que algo está para acontecer. Nisso, em uma das paradas, um colega embarca no trem e ambos começam a brincar com coisas que trouxeram de casa.
Ao fim dessa tomada, acende cada um seu cigarro e fumam languidamente, a fumaça que produzem fundindo-se à fumaça do trem, de maneira graficamente uníssona. Vigo demonstra sua moral e considerações sobre adolescentes e crianças nesse trabalho, mostrando psicologicamente os comportamentos infantis, muitas vezes retratados como uma fusão de astúcia e inocência. No contexto do filme, é mostrado o caráter por vezes imprudente porém persistente e organizado dos garotos, que tentam armar uma rebelião contra as autoridades do internato e a organização da instituição de ensino, que é agressiva e opressora. Tem-se três ambientes expressivos no filme: o trem, que é como uma chegada ao próprio ambiente do filme, cheio de angústia e humor a primeira vista, o quarto comunitário dos rapazes e salas de aula, que são como elementos gráficos que revelam intimidades, fraquezas, planos ocultos e segredos, sendo assim, uma alegoria, que segue do mesmo modo para os ambientes externos, que mostram o que é comum ao conhecimento dos estudantes e mestres, as regras, a autoridade, todo comportamento que externaliza-se.
O filme possui um modelo de narrativa não usual: composto de pequenas sequências, que, unidas, dão a entender as outras tomadas, montadas em elipse, rodeando por vários assuntos carregados, como no caso do professor pedófilo, que se aproxima de um dos alunos, o mais “frágil” deles. Aqui, vale dizer que uma boa dose de homoerotismo e um enfoque na fragilidade da imagem da masculinidade, e como a mesma pode se apresentar em distintas facetas: foram anexadas ao contexto do filme rápidas tomadas de nus, perseguição, violência de todo tipo por parte dos discentes e a postura hipócrita e imoral dessas autoridades, que são abordadas de maneira pejorativa, mostrando desse modo a imagem pecaminosa, carregada, traumatizada e sigilosa que esses homens carregam consigo. A direção de Vigo é muito suave e discreta ao evidenciar essas entrelinhas no enredo. A montagem consegue equilibrar o poder dramático e de comédia de cada uma dessas tomadas, do começo ao fim de maneira equilibrada. Liberdade e perseverança são as palavras chave em Zero de Conduta. Vigo traz ao espectador uma atmosfera maniqueísta, com dualismos sutis, que vão ficando escancarados no desenvolver da obra.
Os rapazes entendem por fim que suas ações podem mudar a instituição imposta pelos professores e pelo diretor anão; entendem que podem fazer uma importante determinação, meditando que o mundo em que vive-se pode ser modificado e, assim arriscam-se ao máximo para tentar: tendo isso em vista, a mentalidade anarquista e politizada que veio de berço para Jean Vigo aflora, mostrando ao espectador os direitos que perde-se e a obediência cega que adere-se ao viver em uma sociedade opressora e ditada como a atual.