8 1/2, Resenha

Katharinne Magalhães
3 min readOct 27, 2020

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8 1/2 (8 1/2, 1963, Itália, p&b, comédia e drama.)

Direção: Federico Fellini, com Marcello Mastroianni, Claudia Cardinale.

Dentro do contexto metalinguístico e ABSOLUTAMENTE autobiográfico, Federico Fellini brinca com as percepções do público sobre a realidade e o imaginário relativos à cinematografia. Suas obras utilizam o imaginário coletivo consolidado para expressar o pragmatismo e exagero escrachado de seus personagens. Os atores, nessa obra, vivem na pele de atores fictícios e reais (Conocchia), criando a metalinguagem citada dos desejos do público e do próprio Fellini. Nessa semiótica recheada de linguagem psicológica, frustrações e pressões relacionadas a vida criativa, tal qual a de diretores, roteiristas, pintores, cantores e tantos demais profissionais da área inventiva, o italiano divaga acerca do narcisismo e dissociação própria dessas profissões.

Quando há limitações na arte, gera-se desencontros pessoais. Tendo isso em vista, nota-se a confusão na trama do filme da personagem Guido, que se mistura com itens e problemáticas da própria vida: é considerada a obra mais pessoal e profunda de seu trabalho, tanto por seu estilo de câmera que dita a narrativa de maneira sensual, dramática e dinâmica como também por seu tom autobiográfico e metalinguístico, como já citado. O cinema italiano de Fellini transpassa a característica de que os personagens”são aquilo que são”: fica claro para o espectador o sofrimento presente em cada uma das personagens e seus respectivos comportamentos nocivos, essas personagens não estão satisfeitas, porém seguem em frente para que seja crível para o público esse “auto-amor” (que não se passa de uma tendência histriônica barata, que grita por atenção) e instinto social. Eles resignam-se no que são pois estão cansados, e vivem intensamente os arquétipos que lhe são colocados, mas existe a clara visão da hipocrisia proposital das personagens, de maneira egocêntrica, no sentido mais junguiano (do qual Fellini era um grande entusiasta) da palavra. Os sarcasmos passivo-agressivos e as piadas “pastelão” na obra deixam a sensação de se mostrar um outro sentimento: um mundo atrás de máscaras, que, mais cedo ou mais tarde, envelhecem e caem, sem propósitos além daquilo que é social.

O filme mostra-se quase como um reality-show, e é possível fazer um paralelo ao filme The Truman Show (O show de Truman, 1998), onde o protagonista Truman é cercado de pessoas que ele acredita serem humanos normais vivendo a vida como ele, porém, são atores contratados para fazer um simulacro social num reality sobre a vida de Truman.

Fazendo esse paralelo, pode-se dizer que a saída de Guido para o SPA é uma tentativa desesperada de sair do circo de horrores denso que a vida do alter ego do diretor italiano vive: Fellini aborda, ainda, como exigem do artista uma opinião incansável acerca de assuntos alheios à arte, fazendo com que a arte em si perca seu lampejo de liberdade pura e simples: está claro para o espectador a mensagem do diretor. A realidade é onde você está, a liberdade é o que você já possui, a infância e a pureza não retornam, as máscaras são necessárias para o convívio social Como dito pela personagem na festa “Eu não vivo num mundo de ilusões”.

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Katharinne Magalhães
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Written by Katharinne Magalhães

artista multimídia freelancer, cyber xamã nas horas vagas CAAD UFMG I must not fear. Fear is the mind-killer.

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